domingo, agosto 10, 2008

Apontamentos sobre: Capítulo 1 TEMPO NARRATIVO: A QUESTÃO DA PORTA DO INFERNO.
KRAUSS, Rosalind E. . Caminhos da escultura moderna. S.P.: Martins Fontes, 1998.

A escultura de Rodin é considerada uma ruptura aos padrões até então estabelecidos que perdurassem na escultura neoclássica. O modelo que até então era usado funcionava sobre dois pressupostos: ”o contexto através do qual o entendimento se desenvolve é o tempo; e, no caso da escultura, o contexto natural da racionalidade é o relevo.”
Segundo Rosalind Krauss a carreira de Rodin é definida pelos esforços que dedicou a um único projeto: A porta do inferno, iniciada em 1880 e no qual trabalhou até sua morte. ”Uma decoração esculpida para um conjunto monumental de portas que serviriam de entrada a um museu. Foi vinculada a um esquema narrativo, tendo sido encomendada como um ciclo de ilustrações da Divina comédia, de Dante.”
A autora pontua que Rodin sucessivamente usa o mesmo corpo masculino como um artifício para retratar diferentes situações, como por exemplo, a figura do filho pródigo; quando fundida e exibida isoladamente do portal; “as costas dele estão arqueadas pelo esforço deste gesto, e a tensão ao longo da superfície de seu torso é completada pelo impulso para trás de sua cabeça e de seu pescoço”. Usa da mesma figura que quando acoplada a uma figura feminina, reorientado em relação ao corpo feminino, tornando-se assim parte de um novo grupo designado como figit amor.
No topo da porta, As três sombras, faz representação com três figuras usando novamente em suas representações a repetição da mesma figura em posições diferentes.”As três sombras funcionam como uma paródia da tradição de agrupar figuras tríplices, típica da escultura neoclássica. “
Na porta como um todo, bem como em cada figura individual, somos detidos na superfície. A superfície do corpo, a fronteira entre o que consideremos interno, particular, e o que reconhecemos como externo e público, é a sede do significado na escultura de Rodin. As forças que dão forma à figura a partir de sue exterior provêm do artista: o ato da manipulação, o artifício, seu processo de elaboração.
Krauss pontua que Rodin obriga o observador, em repetidas ocasiões, a perceber a obra como o resultado de um processo, um ato que deu forma à figura ao longo do tempo. E tal percepção converte-se em outro fator a impor ao observador aquela condição a que já me referi: o significado não precede a experiência, mas ocorre no processo mesmo da experiência. Coincidem na superfície da obra dois sentidos de processo: nela a exteriorização do gesto encontra-se com a marca impressa pela ação do artista ao dar forma à obra.
Nas palavras da autora, essa ênfase na superfície e o modo como o significado é alojado nela por fatores parcialmente externos – sejam elas a incidência acidental da luz ou a impressão casual do polegar do artista - não se restringiram às duas grandes personalidades da escultura da última década do século XIX e da primeira do século XX.
Um elemento perceptível, nas esculturas de Rodin e Rosso, são as superfícies desses objetos testemunham um processo externo de formação. Segundo Krauss, essa execução se dá de um modo tal que sentimos estar observando algo moldado pela erosão da rocha pela água, pelos sulcos pelo vento; em suma, por aquilo que associamos à passagem de forças naturais sobre a superfície da matéria.
Ao analisar a escultura de Gauguin, a autora pontua que este artista, faz referência a narrativa apenas para gerar um sentido de irracionalidade ou de mistério. Gaugin apresenta os fragmentos de uma história, mas sem uma seqüência que forneça ao observador o sentido de um acesso preciso e comprovável ao significado do acontecimento do aludido por ele. Os procedimentos de que Gauguin se vale para negar ao observados um acesso ao significado narrativo de sua escultura se assemelham àqueles empregados por Rodin na Porta do Inferno. Fragmentando violentamente os vários protagonistas dentro do conjunto narrativo, reforçando a descontinuidade e a fragmentação com que eles se movimentam pela superfície, um relevo como Apaixona-se, você ficará feliz subverte a função lógica tradicional dessa modalidade de escultura.
Krauss pontua também que Rodin lançou mão de outra estratégia ainda na Porta a fim de frustrar o significado tradicional da narrativa, qual seja a de repetir figuras, a exemplo do que fizera com as Sombras, e a de apresentar essas unidades idênticas uma ao lado da outra. Esse tipo de repetição obriga a uma exposição consciente do processo de usurpar a atenção voltada para a finalidade do objeto na narrativa global.
Ao discorrer sobre Matisse, a autora defende que este artista, se utiliza da noção de uma cadeia linear de acontecimentos – narrativa – e a reorienta convertendo-a em uma espécie de escrituração analítica que guarda o registro de concepção e mudanças formais. Segundo Krauss, Matisse parte da ambição de interpretar e condenar o significado da história, entretanto abrevia-se numa apresentação das etapas da formação de um objeto.
A Porta do Inferno consegue deslumbrar o observador, não apenas pela maestreza da obra, mas também por Rodin nos oferecer gestos desarticulados de alusões e substratos coerentes, narrativos, causais, interrelacionados, causando uma ruptura de comunicação entre superfície e profundezas anatômicas nas figuras, e assim no espaço/tempo.

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